O que o Open Insurance não irá herdar do Open Banking

(O gerenciamento de identidades do OPIN vai exigir a integração de exércitos de corretores e profissionais em atividades como investigação e recuperação de bens)

Depois de ser exaustivamente planificada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) através do seu Manual da Governança, a estrutura de Governança do Open Insurance brasileiro começa a ser apreciada, na prática, pela comunidade setorial que se reúne em torno da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg).

Congregando parcela significativa do mercado, a CNSeg publicou uma espécie de “roadmap” dessa estrutura de governança neste último dia 31 de janeiro. Marcou assim um posicionamento oficial das empresas que vinham mantendo cautela em relação à novidade.

Neste posicionamento se destacam as providências já tomadas para a formação de conceito OPIN (abreviatura de Open Insurance), agora encarando aspectos no campo concorrencial e apontando para a instalação dos Grupos de Trabalhos  (GTs) capazes de responder às exigências da regulação.

Numa espécie de “spoiler” do que o leitor terá mais à frente, é possível antecipar que o conjunto de desafios apresentados no referido anúncio irá convergir para a questão do Gerenciamento da Identidade e Acessos (IAM, na sigla em Inglês), frente a questões de eficiência digital e seus freios regulatórios.

E isto especialmente no que diz respeito a atividades de credenciamento, autenticação, autorização de acessos. Sem falar nas complicações trazidas pela exigência do compartilhamento de dados, versus as imposições quanto à privacidade e direitos do cliente.

Entre os grupos de trabalho inerentes à proposta de governança do OPIN, chama a atenção o entrosamento que irá ser indispensável para o GT de segurança (responsável por padrões, protocolos e processos de autorização e autenticação) com o GT de Experiência do Desenvolvimento e Experiência do Usuário.

Sendo que este último responde pela concepção e gerenciamento da jornada do consumidor pessoa física (ou cliente PJ), desde a solicitação do serviço até a sua entrega segura, prática e compatível com a LGPD e demais imposições da lei ou do mercado.

Envolve-se o aí o sofisticado trabalho de especialistas em UI, UX e designers de ambientes abertos que, a rigor, não são muito comuns de se encontrar na esmagadora maioria das empresas do mercado segurador. Não só no Brasil, mas no mundo.

A estes contingentes multidisciplinares se integram outros núcleos técnicos, com tarefa não menos difícil. É o caso do GT de Estruturação de Dados, que deve responder pela definição de escopo e abertura de informações relativas a produtos, operações e clientes no âmbito do ecossistema. E na amarração da estrutura, a CNSeg estipula ainda o GT de Políticas, Riscos e Compliance, cuja influência se espraia em cima de todos os demais núcleos envolvidos.

Retornando ao spoiler lá do início: se há uma disciplina profissional que pode responder pelo conjunto de conhecimentos envolvendo todos esses GTs, certamente, a que mais se aproxima atualmente de tal escopo é aquela abrangida pelos vários elementos da IAM (Identity and Access Management).

No fundo, poderíamos dizer que a transposição do modelo segurador nacional (analógico e baseado na propriedade de dados do cliente) para o modelo de seguros abertos é uma questão não só de abertura dos dados. Mas sim do deslocamento do fator “customer” da periferia para o centro da estratégia.

Em outras palavras, seria um salto correspondente ao que indústria em geral vem realizando: indo do marketing centrado preço/produto/retorno para o marketing “customer centric”. Isto é, uma estratégia competitiva em que a formação de portfolio, preço e dimensionamento de retorno são variáveis dinâmicas e efêmeras. Todas elas derivadas do tratamento de dados extraídos no relacionamento analítico one-to-one.

Este é um modelo no qual a descoberta de oportunidades, e suas conversões em valor, são proporcionadas por insights de ordem transacional na rede, visando sempre a conquista e condução do cliente final ao ato de adquirir. E claro, tendo em conta o contexto externo em real time, bem como a posição dos “estoques” atuais e previstos, a cadeia de suprimentos e os mandamentos financeiros “on-flight”.

O problema maior nessa passagem não está na tecnologia analítica nem nas demandas de conexão exigidas. Afinal, ambos os fatores são relativamente baratos, e tendendo ao domínio público.  A verdadeira dificuldade está no difícil processo de credenciamento de clientes, tendo em vista os interesses das cadeias de geração de oportunidades e valor no ecossistema de seguros.

Bem como o difícil gerenciamento de atributos, direitos, limites e permissões de usuário, num ambiente poroso e “zero trust” como o de finanças abertas. E no qual os riscos – cibernético e sistêmico – são agravados pela concorrência muito mais franca e agressiva e por um ambiente jurídico-regulatório pouco favorável aos insights.

O Ponto de Partida Open Banking:

Ou se poderia chamar um “ponto de chegada”? De fato, as principais lideranças do mercado segurador concordam em que o sucesso do Open Banking, já nas suas fases iniciais, serviu como um elemento encorajador para a Susep na adoção de uma agenda de transformação ousada para o OPIN brasileiro.

Afinal, toda a tecnologia já implementada e testada no setor de varejo bancário está aí como “roda inventada”. Bastando que o setor de seguros lance mão e se adapte, sem precisar reinventá-la a partir do zero.

Aliás, com uma facilidade adicional. Enquanto o negócio bancário abrange plataformas de produção para produtos diversificados, desde conta corrente, poupança, crédito, financiamento, investimentos, câmbio etc; no caso do setor de seguros, o que existem são diferentes modalidades de oferta relacionadas a um produto financeiro específico que é a apólice de seguros.

Mas diante deste raciocínio há duas ponderações importantes: em primeiro lugar, o ambiente dos bancos varejistas (diferentemente do segurador) sempre foi um dos mais avançados em termos de digitalização, atendimento remoto, autosserviços e automação de processos.

O setor de seguros, por outro lado, é amplamente amparado no trabalho de corretores, agentes individuais e empresas de vendas, distribuição e relacionamento com o cliente.

Apólices “customer- centric”

Saltar para a transformação digital, no caso da indústria de seguros, é um movimento bem mais complicado, exigindo reestruturações que não foram necessárias para o open banking quando esta transformação se iniciou.

O outro contra-argumento é o de que, com a digitalização e a abertura de dados, o mercado segurador deve ter uma transformação significativa na diversificação de portfolio. Os líderes da área preveem, por exemplo, uma explosão de microsseguros em nichos hoje muito pouco explorados.

Para áreas de prêmios tais como a conclusão de cursos de treinamento em face de perda de renda, seguro para pequenas viagens de ônibus, funeral, dias parados por doença para profissionais autônomos, celulares, bicicletas, eletrodomésticos, imóveis de moradia popular, máquinas e aparelhos usados em PMEs.

São produtos que, em parte, já existem, mas cuja disseminação se torna técnica ou economicamente inviável no modelo atual de produção da indústria de seguros.

Mas, a ideia de absorver o framework de bancos, encontra outros problemas quando se fala em Open Insurance. Um dos tópicos apontados pela área é o de que as seguradoras, administradoras e distribuidoras não estão dispostas (pelo menos no médio prazo) a abrir mão dos enormes exércitos de corretores, sejam eles pessoas independentes, pessoas jurídicas ou empregados do setor.

Profissionais tidos como estratégicos na atração, conversão, retenção, cross-selling, upselling e gerenciamento do ciclo de vida das apólices e que contam como diferencial competitivo não importando o tamanho dos players atuais.

Seguradoras, Insurtechs e o capital humano

As Insurtechs e seguradoras aderentes ao OPIN precisam incluir estes exércitos na sua arquitetura de identidade e na sua malha de governança.  Será necessário otimizar rapidamente a eficiência de onboarding e execução segura de serviços  para que estes ambulantes, ou parceiros em geral, possam se integrar na estrutura digital. De modo a  mesclar sua presença física (junto ao cliente) com formas de atendimento remoto e o uso seguro de ferramentas móveis de aquisição e transferência de dados. `

Por exemplo, na supervisão de vistorias de bens, que poderão ser realizadas pelo próprio segurado, mas tendo como o meio de campo esse vendedor consultivo. Ou em tarefas relacionadas à investigação, cobrança e recuperação de bens extraviados, ou desviados.

Com as modernas abordagens de Gerenciamento da Identidade, a indústria de seguros pode encurtar o seu caminho em direção às finanças abertas. Mas essa indústria não quer correr o risco de pôr a perder um ecossistema humano que é um dos pilares de sucesso nos negócios.       

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